Minutos depois a notícia de que está um carro a arder na Av. Belo Horizonte. O Corpo de Intervenção (CI) avança e é recebido à pedrada – uma continuação das tácticas de guerrilha urbana da véspera, o ataca e foge. Seguem-se momentos de tensão: os bombeiros parados num cruzamento, à espera de segurança para apagar o fogo. Operacionais do GOE auxiliam os colegas.
Os polícias disparam shotguns, com balas de borracha, mas alguns sacam de pistolas de munição real. Sucedem-se os tiros da polícia e os atacantes fogem, refugiando-se nos prédios labirínticos do forte da Bela Vista. O CI toma então, uma por uma, as ruas. Ao longe, snipers do GOE, do mesmo grupo que em Agosto atirou a matar sobre os assaltantes do BES, recolhem e passam informação de pontos privilegiados. Estão prontos a disparar caso a ameaça se intensifique. Os agressores, escorraçados a tiro, desaparecem.
Quando os bombeiros avançam, meia hora depois de terem chegado, o Renault 5 ardera. Com protecção da PSP, apagam as chamas. São 02h00 quando todos regressa à esquadra, mas o descanso dura pouco. Outro carro é incendiado, a escassos metros do local onde foi ateado o primeiro fogo. Repetem-se tiros, pedradas e a fuga dos delinquentes para os prédios.
Já a madrugada ia alta, e com a tranquilidade de regresso, o GOE retira. Durante o dia de ontem uma equipa de dez operacionais manteve-se de prevenção na sede da Unidade Especial de Polícia, em Belas. Não foi necessária a sua presença na Bela Vista.
MORADORES APANHADOS NA GUERRA
'Isto mais parece o Iraque', comenta o jovem de 15 anos que acaba de ser revistado da cabeça aos pés por um agente da PSP. A poucos metros dali, os bombeiros retiram do meio da estrada um carro totalmente carbonizado – um dos dois que arderam na madrugada de ontem no birro da Bela Vista.
Já passa das 02h00 quando o rapaz aparece com mais três familiares, um casal e uma criança, que não terá mais de cinco anos. Acabam de sair do Forte da Bela Vista, o bairro onde se esconderam os jovens que deitaram fogo a um carro e apedrejaram a PSP. Numa madrugada de emoções fortes, a mulher exalta-se por ter de ser revistada em frente ao filho. 'Está a assustar a criança', diz à agente que a revista. A polícia nem precisa de responder, porque não é só a criança que está assustada. Continua a ouvir-se tiros pela madrugada fora e, pouco depois, é ateado fogo noutro carro, no mesmo local. Nesta noite a Bela Vista parecia mesmo Bagdad.
REBENTARAM SEIS BOMBAS INCENDIÁRIAS
O sábado amanheceu tranquilo na Bela Vista. Só o musculado contingente policial lembrava os distúrbios das noites anteriores. Depois de almoço, nada de novo, até que pelas 17h45 estrondos ecoaram perto da PSP. Mais de 30 agentes do Corpo de Intervenção colocaram-se em posição de fogo, revistando toda a Av. da Bela Vista. Depressa encontraram a razão dos estouros: os destroços de seis bombas incendiárias, com ácido e alumínio no interior, foram recuperados próximo da esquadra. A PSP averigua ainda se também foram feitos disparos de caçadeira.
GRUPO DE 15 ORGANIZA RIXAS E QUER ATINGIR UM POLÍCIA
O bairro Azul é, desde quinta-feira ao final da tarde, a base para os autores dos distúrbios que têm sobressaltado a Bela Vista. 'Serão cerca de 15 os jovens, todos cadastrados, que estão na origem dos ataques concertados à PSP', disse ao CM fonte daquela força de segurança. Apesar de não residir no bairro Azul, ‘Toninho Tchibone’, (o jovem morto pela GNR quando participava num assalto a uma caixa multibanco no Algarve, morte que originou os distúrbios) tinha muitos amigos naquele que é considerado 'o reduto mais violento da Bela Vista'.
Revoltados com a acção das forças de segurança, a quem culpam pelas mortes de quatro habitantes do bairro nos últimos sete anos, os cerca de 15 desordeiros têm planeado ataques consecutivos ao dispositivo que a PSP tem montado para garantir a segurança dos outros moradores.
Ontem, os agentes ligados às informações que a PSP espalhou por todo o bairro conseguiram inteirar-se da vontade deste grupo de atacar um agente da PSP como forma de retaliação por aquilo que consideram ser violência gratuita da polícia ao longo dos anos naquele bairro. Como protecção, todos os elementos policiais destacados para a Bela Vista usam agora coletes à prova de bala. Os agentes estão igualmente proibidos de circular sozinhos pelo bairro.
ENTRADAS NO BAIRRO VIGIADAS
A PSP começou, logo na manhã de ontem, a fiscalizar todas as viaturas civis que entravam e saíam do bairro da Bela Vista. O receio da entrada de armas brancas e de fogo no bairro, assim como da chegada de novos desordeiros que reforçassem o contingente de ameaça à PSP, levaram à colocação de equipas de fiscalização rodoviária nas principais entradas no bairro. Várias viaturas foram revistadas, impedindo igualmente a polícia a circulação de todo o trânsito automóvel pela Av. da Bela Vista. Recorde-se que é nesta artéria, a principal do bairro, que está instalada a esquadra e o contingente da PSP.
PORMENORES
GOVERNADORA CIVIL
A governadora civil de Setúbal, Eurídice Pereira, garantiu ontem à população do bairro da Bela Vista que a PSP tem a situação controlada e que irá reagir com firmeza sempre que tal se justifique.
DIRECÇÃO DA PSP
A Direcção Nacional da PSP, através do porta-voz, comissário Paulo Flor, sublinhou que o efectivo policial no bairro é 'adequado' para responder a 'qualquer eventualidade de desordem pública ou intranquilidade'.
FORTE CONTINGENTE
Ontem, durante todo o dia, a PSP manteve perto de uma centena de efectivos no bairro da Bela Vista. Trinta e cinco agentes do Corpo de Intervenção deram a face mais musculada ao dispositivo.
NOTAS
CDS: PORTAS QUER AUTORIDADE
O líder do CDS-PP defendeu que 'a autoridade da polícia tem de ser defendida pelo Estado, pois não é aceitável que seja atacada com cocktails molotov por bandos organizados'.
PSD: NEGRÃO ATACA GOVERNO
O deputado do PSD Fernando Negrão considera que os incidentes em Setúbal são 'o espelho de algum excesso de ligeireza na forma como o Governo encara a criminalidade violenta'.
PCP: JERÓNIMO FALA DA CRISE
O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, afirmou ontem que os incidentes em Setúbal são um sinal do mal-estar social e da crise e não 'um caso de polícia'.
Fonte: Correio da Manhã (10-05-2009)
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